O que é
Entende-se por conhecimentos tradicionais todas as formas de costumes, crenças, práticas, conhecimentos, inovações e expressões culturais que são desenvolvidos, transmitidos e preservados por comunidades tradicionais, indígenas e locais ao longo de gerações.
Esses conhecimentos abrangem uma ampla gama de áreas, como medicina tradicional, agricultura, arte, música, culinária, tecnologias tradicionais, entre outras. São frequentemente baseados na relação estreita que as comunidades tradicionais têm com seu ambiente natural e são fundamentais para sua identidade cultural, subsistência e bem-estar.
No entanto, os conhecimentos tradicionais não são facilmente protegidos pelo sistema atual de propriedade intelectual, que tipicamente concede proteção durante um período limitado a novas invenções e obras originais de pessoas ou empresas. Enfrentam, portanto, desafios de apropriação não autorizada, uso indevido e até mesmo exploração comercial por terceiros, muitas vezes sem o consentimento ou a devida compensação para as comunidades detentoras desses conhecimentos.
A proteção dos conhecimentos tradicionais é um desafio complexo e em constante evolução que tem merecido atenção em discussões de fóruns internacionais e, aos poucos, alguns avanços têm sido registrados. Estas discussões enfatizam a necessidade de garantir aos povos detentores desses saberes a repartição equitativa dos benefícios oriundos da utilização comercial dos seus conhecimentos e de promover a conservação e o respeito à autonomia das comunidades tradicionais.
Normas jurídicas
- Constituição Federal de 1988 (artigo 215)
- Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB)
- Protocolo de Nagoia
- Lei 13.123/2015 (Lei da Biodiversidade)¹
- Lei nº 12.343/2010 (Lei do Sistema Nacional de Cultura)
- Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)
- Convenção da Unesco para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial
¹Para maiores detalhes a respeito do acesso ao patrimônio genético e conhecimento tradicional associado e seus usos pela ciência brasileira, recomendamos visitar a nossa página exclusivamente dedicada ao tema.
Requisitos
Leia tudo
No Brasil, a proteção dos conhecimentos tradicionais não é concedida por meio de um sistema de propriedade intelectual tradicional, como patentes ou direitos autorais. No entanto, existem requisitos e princípios gerais que podem ser considerados ao buscar a proteção dos conhecimentos tradicionais no país. Esses requisitos e princípios incluem:
Consentimento informado e prévio: É essencial obter o consentimento informado e prévio das comunidades detentoras dos conhecimentos tradicionais antes de qualquer uso, acesso ou pesquisa envolvendo esses conhecimentos. Isso significa que é necessário estabelecer uma relação de diálogo e respeito com as comunidades e buscar seu consentimento antes de qualquer atividade que envolva seus conhecimentos.
Repartição justa e equitativa de benefícios: Ao utilizar ou comercializar os conhecimentos tradicionais, é importante garantir uma repartição justa e equitativa dos benefícios derivados desse uso. Isso implica em estabelecer acordos ou mecanismos que permitam que as comunidades detentoras dos conhecimentos se beneficiem de forma adequada e proporcional.
Valorização da cultura e dos conhecimentos tradicionais: A proteção dos conhecimentos tradicionais deve promover a valorização da cultura e dos conhecimentos das comunidades envolvidas. Isso inclui respeitar suas práticas, tradições, formas de transmissão e preservação, e incentivar a participação das comunidades no processo de tomada de decisões relacionadas aos seus conhecimentos.
Conservação e preservação dos conhecimentos tradicionais: A proteção dos conhecimentos tradicionais deve estar associada à conservação e preservação desses conhecimentos, evitando a erosão cultural e a perda de práticas e saberes tradicionais. Isso pode ser alcançado por meio de iniciativas de documentação, revitalização e fortalecimento das práticas tradicionais.
Respeito aos direitos coletivos e individuais: Os conhecimentos tradicionais estão enraizados em práticas coletivas, mas também podem envolver direitos individuais. Portanto, a proteção dos conhecimentos tradicionais deve respeitar tanto os direitos coletivos das comunidades como os direitos individuais das pessoas envolvidas.
Tipos
Na área de proteção do conhecimento tradicional, podem-se identificar dois principais enfoques ou abordagens.
Proteção positiva
A proteção positiva refere-se a medidas e políticas que buscam valorizar, promover e fortalecer os conhecimentos tradicionais. Essa abordagem envolve a criação de mecanismos legais, políticas públicas e programas específicos voltados para a proteção, preservação e promoção dos conhecimentos tradicionais. Essas medidas visam reconhecer o valor cultural e social dos conhecimentos tradicionais, fortalecer as comunidades detentoras desses conhecimentos, incentivar a transmissão intergeracional e promover o acesso equitativo aos benefícios decorrentes do uso desses conhecimentos.
Exemplos de proteção positiva podem incluir o estabelecimento de registros de patrimônio cultural imaterial, a criação de programas de incentivo à pesquisa participativa, o desenvolvimento de políticas de acesso e repartição de benefícios, a promoção do turismo cultural e a valorização dos conhecimentos tradicionais nas políticas de educação.
Proteção defensiva
A proteção defensiva refere-se a estratégias adotadas pelas comunidades detentoras de conhecimentos tradicionais para evitar a apropriação não autorizada, o uso indevido ou a exploração comercial de seus conhecimentos por terceiros.
Essa abordagem envolve medidas de controle e restrição do acesso aos conhecimentos tradicionais, bem como o estabelecimento de acordos e contratos para regulamentar o uso e a repartição de benefícios.
Exemplos de proteção defensiva incluem a criação de protocolos de consentimento prévio e informado (PIC), a negociação de contratos de acesso e repartição de benefícios, a adoção de medidas de segredo ou confidencialidade em relação aos conhecimentos tradicionais e a busca de reconhecimento legal para garantir a proteção dos direitos das comunidades detentoras desses conhecimentos.
É importante ressaltar que a proteção positiva e a proteção defensiva não são abordagens excludentes, mas sim complementares. Ambas podem ser utilizadas para promover a proteção e o respeito aos conhecimentos tradicionais, dependendo do contexto e das necessidades das comunidades envolvidas.
A Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) aborda três áreas relacionadas aos conhecimentos tradicionais.
Conhecimentos Tradicionais no Sentido Estrito
Engloba conhecimentos técnicos, práticas, aptidões e inovações transmitidos ao longo de gerações por comunidades indígenas e locais. Inclui conhecimentos relacionados à biodiversidade, medicina tradicional, agricultura, tecnologias tradicionais, entre outros.
Expressões Culturais Tradicionais/Expressões do Folclore
Abrange as manifestações culturais, expressões artísticas, músicas, danças, histórias, rituais, cerimônias e outras formas de expressões folclóricas transmitidas de geração em geração por comunidades tradicionais. Envolve a proteção dos elementos culturais e simbólicos que compõem a identidade cultural de um povo.
Recursos Genéticos
Refere-se aos recursos biológicos encontrados em plantas, animais e microrganismos, incluindo seus componentes genéticos. A proteção dos recursos genéticos está relacionada à conservação da diversidade biológica, bem como ao acesso e repartição justa e equitativa dos benefícios provenientes desses recursos, em conformidade com o Protocolo de Nagoia sobre Acesso a Recursos Genéticos e Repartição Justa e Equitativa de Benefícios.
Como Proteger
No Brasil, a proteção dos conhecimentos tradicionais ainda é um tema em desenvolvimento. No entanto, existem algumas medidas que podem ser adotadas para proteger esses conhecimentos:
- Registro de Patrimônio Imaterial: É possível buscar o registro dos conhecimentos tradicionais como Patrimônio Imaterial junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Esse registro visa valorizar e preservar as práticas, expressões e saberes das comunidades tradicionais, promovendo sua visibilidade e conscientização.
- Contratos e Acordos: As comunidades detentoras dos conhecimentos tradicionais podem estabelecer acordos contratuais com terceiros interessados em utilizar esses conhecimentos. Esses contratos podem definir os termos e condições de uso, incluindo aspectos como consentimento, repartição de benefícios e salvaguardas culturais.
- Protocolos de Consentimento Prévio e Informado (PIC): Os Protocolos de PIC são instrumentos elaborados em consulta com as comunidades detentoras dos conhecimentos tradicionais. Eles estabelecem princípios e diretrizes para o acesso e uso dos conhecimentos tradicionais, garantindo que os interesses das comunidades sejam respeitados e que haja uma repartição justa e equitativa de benefícios.
- Legislação de Propriedade Intelectual: Embora a legislação de propriedade intelectual no Brasil não seja específica para os conhecimentos tradicionais, alguns aspectos podem ser relevantes. Por exemplo, é possível buscar a proteção de elementos criativos e expressivos dos conhecimentos tradicionais por meio do Direito Autoral.
- Políticas Públicas e Programas: O Estado brasileiro pode desenvolver políticas públicas e programas específicos para a proteção dos conhecimentos tradicionais. Isso inclui o fortalecimento das comunidades, o estímulo à pesquisa participativa, a promoção do acesso justo e a valorização dos conhecimentos tradicionais.
Direitos
Leia tudo
A proteção dos conhecimentos tradicionais no Brasil busca garantir uma série de direitos para as comunidades detentoras desses conhecimentos. Embora a legislação específica sobre conhecimentos tradicionais ainda esteja em desenvolvimento, existem alguns direitos que podem ser garantidos por meio de medidas de proteção, políticas públicas e reconhecimento legal:
- Direito à Autodeterminação: As comunidades detentoras dos conhecimentos tradicionais têm o direito de exercer controle sobre seus próprios conhecimentos, práticas e recursos culturais. Isso inclui o direito de decidir como seus conhecimentos serão utilizados, quem terá acesso a eles e em quais condições.
- Direito ao Consentimento Prévio e Informado: As comunidades têm o direito de dar ou negar seu consentimento para o acesso, uso e exploração de seus conhecimentos tradicionais por terceiros. Esse direito está relacionado à necessidade de consulta adequada e informação prévia sobre os fins e impactos da utilização dos conhecimentos.
- Direito à Proteção da Propriedade Intelectual: Embora os conhecimentos tradicionais não se enquadrem facilmente nos sistemas de propriedade intelectual tradicionais, existem esforços em andamento para desenvolver mecanismos de proteção que sejam adequados às características desses conhecimentos. Isso pode incluir a proteção dos aspectos criativos e expressivos dos conhecimentos por meio do Direito Autoral.
- Direito à Repartição Justa e Equitativa de Benefícios: As comunidades detentoras dos conhecimentos tradicionais têm o direito de participar dos benefícios que resultam do uso comercial ou científico desses conhecimentos. Isso inclui a repartição justa e equitativa dos lucros, benefícios econômicos e outras formas de compensação.
- Direito à Salvaguarda Cultural: As comunidades têm o direito de preservar e promover suas práticas culturais tradicionais como parte de sua identidade cultural. Isso inclui a valorização e proteção das expressões culturais, conhecimentos e saberes tradicionais transmitidos de geração em geração.
É importante destacar que a efetivação desses direitos depende do desenvolvimento de políticas, legislações e mecanismos adequados, assim como do envolvimento e empoderamento das comunidades detentoras dos conhecimentos tradicionais na tomada de decisões relacionadas aos seus próprios conhecimentos.
Duração e manutenção
Leia tudo
No Brasil, a proteção dos direitos de conhecimento tradicional não possui uma duração definida ou específica, uma vez que a legislação sobre esse assunto ainda está em desenvolvimento. Atualmente, a proteção dos conhecimentos tradicionais é abordada principalmente por meio de políticas públicas, programas e iniciativas de reconhecimento e valorização.
O reconhecimento e a proteção dos direitos de conhecimento tradicional no Brasil podem ser obtidos por meio de ações como o registro como Patrimônio Imaterial junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e a elaboração de protocolos de consentimento prévio e informado (PIC) em parceria com as comunidades detentoras desses conhecimentos.
No entanto, é importante ressaltar que, para manter a proteção dos direitos de conhecimento tradicional, é necessário um contínuo esforço de conscientização, fortalecimento das comunidades, estabelecimento de políticas públicas e legislações específicas.
É recomendável acompanhar o desenvolvimento da legislação e das políticas relacionadas à proteção dos conhecimentos tradicionais no Brasil, bem como buscar orientação especializada para garantir a manutenção dos direitos de conhecimento tradicional em conformidade com os avanços legais e políticos do país.